Apesar da resiliência do pré-sal, o país corre o risco de perder a oportunidade de se tornar um líder global em energia limpa se não houver uma gestão estratégica da receita, escreve Nicolas Lippolis

Nicolas Lippolis, fundador e diretor executivo do Centro de Energia, Finanças e Desenvolvimento (Foto: Divulgação)
O Brasil figura hoje entre os grandes produtores globais de petróleo, impulsionado principalmente pelas reservas ultraprofundas do pré-sal. Em 2024, o petróleo bruto se tornou o principal produto de exportação do país, superando a soja.
No entanto, essa expansão ocorre em um momento de incerteza global quanto ao futuro da indústria de petróleo e gás, levantando um debate crucial: o país está preparado para um mundo em descarbonização?
A Agência Internacional de Energia (IEA) e a maioria dos prognósticos atuais apontam que a demanda global por petróleo e gás deve atingir o pico até 2030. A partir daí, a substituição por tecnologias competitivas de baixo carbono deve acelerar a queda.
Apesar desse cenário, o setor de petróleo e gás brasileiro, dominado pela Petrobras, tem características que o tornam particularmente resiliente. Com um custo médio de equilíbrio (breakeven) de cerca de 28 dólares por barril, a maior parte da produção do pré-sal deve permanecer competitiva mesmo com a queda dos preços globais.
Além disso, a extração do petróleo brasileiro apresenta emissões de gases de efeito estufa abaixo da média mundial, o que lhe permite manter-se competitivo mesmo em um cenário em que o nível de emissões passe a ser um critério no comércio global deste produto.
A projeção é que a produção brasileira atinja o pico de 5,4 milhões de barris por dia (mbd) em 2030 e, em um cenário de transição energética, o Brasil poderia ganhar participação no mercado internacional de petróleo.
Contudo, essa resiliência não elimina os riscos. A Petrobras estima que 35% de seus projetos de exploração e produção perderiam valor em um cenário Net Zero, em que as emissões globais líquidas de gases de efeito estufa cheguem a zero, e o aumento da temperatura global se limite a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Além disso, a produção em novas fronteiras exploratórias, como a Margem Equatorial, que só chegariam ao mercado após 2030 e teriam vida útil até as décadas de 2060, ou 2070, enfrentam um risco maior de se tornarem ativos encalhados, perdendo valor antes do fim de sua vida útil.
Por outro lado, mesmo no cenário mais ambicioso de transição energética global, onde a demanda por combustíveis fósseis cai drasticamente, a maior parte dos projetos de petróleo e gás da Petrobras ainda seria considerada rentável devido aos seus baixos custos de produção (pré-sal).
No entanto, o risco de ativos encalhados é significativamente maior nesse cenário.
Diferentemente de outros países produtores, a dependência econômica do Brasil do setor petrolífero é limitada: estima-se que o setor gere cerca de 600 mil empregos diretos e indiretos, que equivale a menos de 1% da força de trabalho.
Considerações semelhantes se aplicam à dependência fiscal: apesar da forte dependência de alguns municípios da região Sudeste e do estado do Rio de Janeiro dos royalties do pré-sal, a extração de petróleo e gás representa apenas 5% das receitas do governo federal, um patamar muito inferior aos dos “petro-estados” do Oriente Médio, África, ou Ásia Central.
Estudos recentes apontam que a renda do petróleo no Brasil é mal gerida, por diversos motivos, como a sua forte concentração em poucos estados e municípios adjacentes aos locais de produção. Bem como a frágil regulação do Fundo Social, instituído para administrar os royalties destinados ao governo federal.
E também a ausência de políticas claras e estáveis ligando o uso da renda petrolífera para financiar a transição energética entre outras ações climáticas e ambientais, apesar das narrativas que vêm sendo construídas pelo setor.
Portanto, no que tange aos impactos da queda da demanda internacional de petróleo e gás sobre o Brasil, o maior risco não é que o setor de torne pouco competitivo, mas que o país deixe de aproveitar as oportunidades oferecidas — tanto pelo aumento da renda petrolífera, quanto pela descarbonização da economia global.